A ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA DE RETENÇÃO DE VALORES EM CASO DE RESCISÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA
- Dra. Juliana Paiva

- 23 de fev. de 2023
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Comprar um imóvel é o sonho de muitas pessoas. Quando achamos aquele imóvel perfeito, que atenderá as nossas necessidades, eu sei, ficamos empolgados, doidos para fechar negócio e usufruir da casa o quanto antes.
Contudo, essa empolgação pode custar caro, tanto para o seu bolso quanto para a sua mente.
Aquilo que inicialmente parecia um conto de fadas pode se revelar um filme de horror, que não só nos tira o sono como também nos persegue enquanto estamos acordados, cuja mente fica presa na preocupação de como sair daquela situação sem enormes prejuízos.
Infelizmente é muito comum encontrarmos cláusulas no contrato de compra e venda abusivas, que estabelecem uma relação de desequilíbrio entre o comprador e o vendedor.
Isso ocorre principalmente na compra de imóveis direto com construtoras, que geralmente incluem em seus contratos cláusulas penais em caso de rescisão contratual por parte do comprador, onde preveem a retenção de uma parte dos valores pagos.
A retenção de valores em caso de rescisão, por si só, não é abusiva, ela tem um motivo de existir.
Trata-se de uma forma da construtora/vendedor se proteger de prejuízos decorrente dos gastos que teve com o negócio jurídico, tais como despesas administrativas, contratação de advogado, corretor, recolhimento de tributos, etc.
É, portanto, uma forma legítima de compensar os gastos que teve com o negócio que não deu certo.
Contudo, a retenção de valores não pode ser exagerada e deve corresponder a uma porcentagem justa, caso contrário, o vendedor enriquecerá ilicitamente.
Para piorar, nem sempre é possível negociar cláusulas do contrato na hora da contratação, isto, pois, são utilizados contratos de adesão, onde o comprador apenas tem a opção de aceitar ou não aquelas condições, sem poder sugerir alterações.
Entretanto, é pacífico o entendimento do Judiciário que os contratos de promessa de compra e venda de imóveis, firmados com construtoras ou outras empresas, cuja atividade é a de compra e venda de imóveis, deve respeito ao Código de Defesa do Consumidor.
Portanto, cláusulas que estabeleçam desvantagem exagerada ao consumidor/comprador ou que sejam incompatíveis com a boa-fé, serão analisadas e ajustadas pelo Judiciário, consideradas nulas de pleno direito, conforme prevê o artigo 51, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90):
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
[...]
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
No que diz respeito às cláusulas de retenção de valores, o próprio Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 53, já prevê que os contratos de compra e venda de imóveis, onde há previsão de pagamento em prestações, bem como no caso de financiamento por alienação fiduciária (onde o bem negociado é dado como garantia), que possuam cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do vendedor, em razão de inadimplência, são consideradas nulas de pleno direito:
Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.
Ou seja, a própria legislação já estabelece que a retenção da totalidade das parcelas pagas, em caso de rescisão contratual por inadimplência do comprador, é ilícita.
Agora, e se a previsão contratual não prever a retenção total dos valores pagos mas de uma parte, quando é considerada abusiva?
A resposta é: depende! Tudo será analisado levando em consideração as circunstâncias do caso concreto.
Nessa linha, é o disposto no artigo 51, inciso II e §1º, III do Código de Defesa do consumidor:
Art. 51. [...]
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
Com isso, o Poder Judiciário analisará a cláusula de acordo com as circunstâncias do caso concreto, a fim de verificar a abusividade dela ou não.
Segundo os ensinamentos do jurista Nelson Nery Júnior, considera-se cláusula abusiva:
“aquela que é notoriamente desfavorável à parte mais fraca na relação contratual, que, no caso de nossa análise, é o consumidor, aliás, por expressa definição do art. 4º, nºI, do CDC. A existência de cláusula abusiva no contrato de consumo torna inválida a relação contratual pela quebra do equilíbrio entre as partes, pois normalmente se verificam nos contratos de adesão, nos quais o estipulante se outorga todas as vantagens em detrimento do aderente, de quem são retiradas as vantagens e a quem são carreados todos os ônus derivados do contrato. As cláusulas abusivas não se restringem aos contratos de adesão, mas a todo e qualquer contrato de
consumo, escrito ou verbal, pois o desequilíbrio contratual, com a supremacia do fornecedor sobre o consumidor, pode ocorrer em qualquer contrato, concluído mediante qualquer técnica contratual". (NERY JUNIOR, Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Forense Universitária, 4ª edição, p. 339).
Dito isso, cabe também destacar que a jurisprudência vem se firmando no entendimento de que o percentual de retenção em caso de arrependimento ou inadimplência do comprador, pode ser reduzido equitativamente, de modo a preservar o equilíbrio na relação contratual.
O Superior Tribunal de Justiça, já reconheceu que a retenção de 10% das prestações pagas, na maioria dos casos, representa um percentual adequado:
"CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS PAGAS. PROPORCIONALIDADE. CC, ART. 924.
I - A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça está hoje pacificada no sentido de que, em caso de extinção de contrato de promessa de compra e venda, inclusive por inadimplência justificada do devedor, o contrato pode prever a perda de parte das prestações pagas, a título de indenização da promitente vendedora com as despesas decorrentes do próprio negócio, tendo sido estipulado, para a maioria dos casos, o quantitativo de 10% (dez por cento) das prestações pagas como sendo o percentual adequado para esse fim. II - E tranqüilo, também, o entendimento no sentido de que, se o contrato estipula quantia maior, cabe ao juiz, no uso do permissivo do art. 924 do Código Civil, , fazer a necessária adequação. Agravo regimental a que se nega provimento". (Ag. Rg. no Resp n. 244625/SP, 3ª T, rel. Min. Castro Filho, j. 09/10/2001, DJ. 25/02/2002, p. 376).
Todavia, conforme já destacado, a redução pode variar de acordo com cada caso, mas, é pacífico o entendimento que a retenção de valores devem se limitar entre 10% e 25% dos valores pagos pelo comprador.
APELAÇÃO - COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA — DISTRATO — RESTITUIÇÃO PARCIAL DOS VALORES PAGOS — IMPROCEDÊNCIA — INCONFORMISMO DO AUTOR — ACOLHIMENTO EM PARTE — REAPRECIAÇÃO
— Determinação do C. STJ, em recurso especial, de novo julgamento da causa, com base no reconhecimento da abusividade da cláusula prevista no termo de distrato de compromisso de compra e venda de imóvel na planta, em que as partes pactuaram o percentual de devolução em valor inferior ao entendimento daquela E. Corte — Retenção que deve observar o limite entre 10 e 25% dos valores pagos pelo adquirente — Caso concreto que demonstra ser razoável a retenção de 20% dos valores pagos a título de indenização pelas despesas geradas, segundo entendimento do STJ e como vem decidindo esta C. Câmara — É abusiva a cláusula contratual que prevê descontos excessivos para o caso de rescisão contratual por culpa do adquirente - DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.
Vale informar que essa diminuição da porcentagem não é automática, ela necessita da apreciação e decisão do Poder Judiciário.
Sendo assim, caso você esteja enfrentando uma situação semelhante, procure um advogado de confiança, de preferência especializado nesse assunto.




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